4 de março de 2009

Até mais e obrigado pelos peixes

“Eu ia pegar um trem. Cheguei na estação. Eu estava uns vinte minutos adiantado. Confundi o horário do trem. Acho que é no mínimo igualmente possível que a companhia de trens tenha confundido o horário. Nunca tinha pensado nisso.
Aí eu comprei um jornal, para fazer as palavras cruzadas, e fui até o restaurante para tomar um café. Comprei também alguns biscoitos. Com tudo isso em mãos, eu procurei uma mesa e me sentei. Deixa eu recapitular a cena. Eu lá, sentado à mesa. À minha esquerda, o jornal. À direita, o café. E no meio da mesa o pacote de biscoitos. O que ainda não mencionei, é um cara que já estava sentado nessa mesa. Ele estava sentado na minha frente. Era perfeitamente normal. Maleta de couro. Terno e gravata. Não tinha cara de quem estava prestes a fazer uma coisa estranha.
Ele fez o seguinte. Ele se inclinou sobre a mesa, pegou o pacote de biscoito, abriu, pegou um e... Comeu. Ele comeu. E o que diabos eu fiz?
Bem, diante das circunstâncias, fiz o que qualquer inglês viril faria. Fui obrigado a ignorá-lo. Bom, não é o tipo de coisa para a qual a gente está preparado, né? Vasculhei minha alma e descobri que não havia nada na minha criação, experiência ou até nos meus instintos básicos me dizendo como reagir diante de alguém que, sentado na minha frente, simplesmente, calmamente, rouba um dos meus biscoitos.
Concentrei furiosamente a minha atenção nas palavras cruzadas. Não consegui preencher nada, tomei um gole de café, estava quente demais para beber, então eu não tinha nada para fazer. Me preparei. Apanhei um biscoito, tentando fingir que não tinha reparado que o pacote já estava misteriosamente aberto... Reagi firmemente, do meu jeito. Comi o biscoito. Comi deliberada e ostensivamente, para que ele não tivesse dúvida sobre o que eu estava fazendo. E, quando eu como um biscoito devo dizer que não tem volta. E adivinha o que ele fez? Apanhou outro. Sério. Foi exatamente o que ele fez. Ele apanhou outro biscoito e comeu. Tão claro como a luz do dia. E o problema é que, como eu não havia dito nada da primeira vez, ficou ainda mais difícil levantar o assunto da segunda vez. O que eu poderia dizer? “Com licença... não pude deixar de notar que...” Não dava mais. Não, eu o ignorei, até mesmo com mais vigor do que antes. Olhei as palavras cruzadas, novamente, não consegui fazer uma linha, aí, inspirando-me na coragem de Henrique V no Dia de São Crispim... Eu ataquei novamente. Peguei outro biscoito. E, por um momento, os nossos olhos se encontraram. Sim, bem, não, não desse jeito. Mas se encontraram. Por um breve instante. E nós desviamos o olhar.
Acabamos o pacote assim. Ele, eu, ele, eu. Bom, eram só oito biscoitos, mas parecia que toda uma vida de biscoitos havia se passado diante de nós. Nem mesmo os gladiadores enfrentavam algo tão difícil. Enfim. Quando o pacote vazio jazia morto entre nós, o cara finalmente se levantou, já tendo feito o pior, e foi embora. Eu suspirei aliviado, é claro. Anunciaram o meu trem pouco depois, então terminei meu café, me levantei, apanhei o jornal e, embaixo do jornal...
Estavam meus biscoitos.”

Um comentário:

  1. oi gostaria muito que conhecesse o meu blog sobre síndrome do pânico e a falta de um manual para esse tortuoso caminho. Agradeço desde já.

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