29 de setembro de 2010

17º POA em Cena - Happy Days

Happy Days: Um dia feliz às vezes é muito raro


“Vivemos esperando
O dia em que seremos
Para sempre”

Neste 17º Porto Alegre em cena descobri como é interessante ir ao teatro sem saber o que vai se encontrar; fiz questão de não ver as sinopses dos espetáculos antes de vê-los e não criar grandes expectativas. Segui a teoria da expectativa x realidade: quando se espera muito de algo, temos uma maior possibilidade de sairmos frustrados. Quando se trata de não criar expectativa, aumentam as chances de sermos surpreendidos. Além disso, não sabendo o que iria encontrar, abri minha mente para bem receber seja lá o que viesse.

Todavia, é difícil bloquear o pensamento a ponto de não tentar nem deduzir do que se trata o espetáculo. Confesso que encontrei algo totalmente diferente do que deduzia. Entretanto, procurei buscar as minhas impressões sobre o que vi, assim como meu professor Carlos Mödinger comentou em aula “procurei criar minha própria dramaturgia da peça”. E, deparando-me com aquela mulher encravada em algo que eu não conseguia distinguir muito bem o que era, soltei minha imaginação e formei a minha visão.

Imaginei um mundo apocalíptico, em que só haviam aquele homem e aquela mulher. Talvez houvesse mais pessoas, mas ela não consegue sair do buraco para procurá-las e ele não pode deixá-la sozinha. Nesta situação de ter acontecido algo com o mundo e estarem “presos” àquele lugar, só o que restou foram alguns objetos do cotidiano e a insistência em se apegar às lembranças do passado, falando sobre momentos aleatórios que viveu, que agora são a diversão de quem não sabe se algum dia voltará à vida normal. O modo como Winnie escova os dentes no início do 1º ato representou, para mim, que aquela era uma das únicas coisas que havia restado da vida vivida até então e já que não se tem outra escolha, ela se diverte brincando com este que deveria ser um ato tão banal antas de ficar presa naquele buraco.

She tries to turn every day in a happy day. She tries to find moments of happiness through a ritual created by herself . She collects her daily objects around her, she talks with them and when she touches them, the objects reminds her the past and she is then able to smile.(Ela tenta transformar cada dia em um dia feliz. Esla tenta encontrar momentos de felicidade através de um ritual criado por ela mesma. Ela pega seus objetos cotidianos ao seu redor, ela fala com eles e quando ela os toca, os objetos a lembram o passado e então ela sorri.)[1]

A personalidade que Adriana Asti deu à personagem, fazendo-a às vezes parecer uma criança conversando com Willie, perguntando incessantemente se ele a estava ouvindo; “et maintenant? et maintenant? et maintenant? Williiiiiiiie!” e sua notável expressividade mesmo aos 80 anos e com metade do corpo imóvel; She only communicates with her arms, her hands, her face, her words and her eyes full of life.” (Ela apenas se comunica com seus braços, suas mãos, seu rosto, suas palavras e seus olhos cheios de vida)[2], me tocaram, fizeram com que eu me identificasse com o que estava sendo representado, assim como algumas frases que gostaria de ter anotado e fiz um esforço para lembrar depois, algo como “Quando estou perdida ponho meus olhos no futuro (...) deve-se pensar no futuro e usar o saco corretamente.”, “Sua infelicidade me basta” e “Pode-se falar de relações sexuais até com Aristóteles que ele vai entender do que se trata”.

Como não pude ver o final do espetáculo, fiquei curiosa e procurei informações na internet, o que me deixou surpresa novamente: encontrei várias resenhas e comentários com visões bem diferentes da minha, mas com as quais não deixo de concordar. Penso que este espetáculo não é do tipo onde se tiram conclusões racionais, mas sim sensíveis, até filosóficas.

In this play written in 1960/61, Samuel Beckett explores a melancholy subject, steeped in humour, which today even more than in the past, asks for attention and move our souls: on our way to senescence, when we feel more fragile because of the effects of time, how can we live, feel and even hope the happiness? (Nesta peça escrita em 1960/61, Samuel Beckett explora um assunto melancólico, caucado no humor, o qual hoje muito mais do que no passado, chama atenção e nos move: na nossa senescência, quando nos sentimos mais frágeis por causa dos efeitos do tempo, como podemos viver, sentir e ainda esperar felicidade?)

Também vi algumas críticas de pessoas que não gostaram e concordo em alguns aspectos, como a iluminação que era forte e prejudicava a leitura das legendas, mesmo tendo gostado bastante do uso das cores e imagens, por ter ficado muito bonito esteticamente, “mostra que Bob Wilson é um artista plástico, fazendo um belo teatro.”[3] e o fato de a peça se tornar cansativa em alguns momentos, o que mesmo assim não me fez gostar menos deste espetáculo.

Penso que nesta montagem de Robert Wilson, Happy Days passou a ter um caráter mais humano e menos absurdo ou tão metafórico. Para mim, o que ficou foi esta busca incessante da felicidade, mesmo quando tudo se perdeu, quando se pode apenas agarrar-se às lembranças e aos pequenos gestos afetivos que recebemos das únicas pessoas que restaram ao nosso redor. É aquele momento em que fugimos da tristeza e tentamos de todas as formas encarar a situação, por mais difícil que seja.

Se olharmos para ela sem nos perguntarmos de onde ela veio e para onde ela vai, e escutarmos a sua pergunta sobre o que fazer da vida, talvez, perceberemos que há mais de Winnie em nós do que de qualquer história de guerra, de qualquer amor fatal, de qualquer grande espetáculo com helicópteros entrando cena. Porque o nosso dia a dia também não é feito de longas viagens e grandes decisões, mas do desafio de viver as vinte e quatro horas sem pular uma única delas, nem mesmo quando dormimos. Ao espectador é livre o direito de ver o buraco como uma rotina. Ou um trabalho. Ou um relacionamento do qual não se consegue sair. Winnie pode ser eu, pode ser você, pode ser o marido daquela amiga, a chefe do seu pai. O dia pode ser um ano, um mês, um festival, o tempo que não passa antes do ônibus vir, a ligação telefônica que não se completa, o e-mail que ainda não chegou.[4]

Como certa frase de Samuel Beckett, que bem ilustra a personagem Winnie: “Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor.” e como as palavras de Guilherme Nervo[5],

Winnie ocupa sua boca com palavras a qualquer momento para não ter que enfrentar o vazio, esse eterno perseguidor. (...) Winnie destina o próprio destino. Controla. Tenta bloquear a melancolia, mas esta faz parte da vida. Bloquear a melancolia gera mais mal-estar, talvez melhor aceitá-la.




[1] Referência: Escrito por Ellen Hammer em http://www.changeperformingarts.it/wilson/happydays.html Acesso em 10/09/10.

[2] Referência: Escrito por Ellen Hammer em http://www.changeperformingarts.it/wilson/happydays.html Acesso em 10/09/10.

[3] Comentário feito por Maria Bastos em entrevista disponível em http://poaemcena.blogspot.com/ search/label/Happy%20Days Acesso em 10/09/10.

[4] Escrito por Rochele Porto em http://poaemcena.blogspot.com/search/label/Happy%20Days. Acesso em 10/09/10.

2 comentários:

  1. Procurei teu email por aqui, mas não achei. Queria saber se a frase: "Escrava, eu escrevo -- escravo, ele lê" é tua? Adorei, mas não queria sair te copiando. :) Helena Mello

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